segunda-feira, 23 de novembro de 2009

O Preço da Cultura



SENHORA - Bom dia, meu senhor.

VENDEDOR - Bom dia, minha senhora. Em que posso ajudá-la?

SENHORA - Vejamos…vejamos…dê-me…dois quilos de livros…

VENDEDOR - Como disse?

SENHORA - Não, melhor três quilos.

VENDEDOR - Três quilos de quê?

SENHORA - De livros, senhor. Livros. Não sabe o que é um livro? Para ler…

VENDEDOR - Sim, mas…

SENHORA - E me dê também… dez metros, não, melhor 15 metros de filmes…

VENDEDOR- De filmes?!

SENHORA - De filmes, sim senhor. Ou tão pouco sabe o que são filmes? Filmes de cinema. Se tem de televisão também, mas esses vendem – se por peso, não?

VENDEDOR - Mas, de que está a falar, senhora?

SENHORA - Vamos ver , vamos ver, que me falta?… Música!... O senhor tem dessas latinhas vermelhas que trazem uma dúzia de canções?... Ah, e já me estava a esquecer… Dê-me também um frasquinho de teatro. Vendem em pó, não é verdade?

VENDEDOR - Um momento, um momento, senhora. Não me continue a gozar que eu já tenho cabelos brancos.
SENHORA - Ninguém está a gozar consigo, meu senhor. Eu quero comprar.

VENDEDOR - Comprar o quê ? Deus e todos os santos me ajudem...

SENHORA - Comprar cultura. Teatro, cinema, literatura...

VENDEDOR - Mas, minha senhora, essas coisas…

SENHORA - O senhor não vende arroz, tomates, sabão…

VENDEDOR - Mas, senhora, a cultura não é um tomate. Não é uma mercadoria.

SENHORA - Ah, não? E quem disse que não, pode-se saber?

UNESCO - Nós dizemos que não!

(APLAUSOS)

LOCUTOR - Durante a última Conferência Geral da UNESCO, em Paris, foi aprovada uma Convenção sobre Protecção da Diversidade Cultural e as Expressões Artísticas.

LOCUTORA - Dos 151 países membros da UNESCO presentes na sala, quase todos votaram a favor.
(APLAUSOS)

LOCUTOR - Só dois países votaram contra. Só dois. Adivinhe quais são.

ARTISTA - Dois países votaram contra? Impossível, alguém está contra a cultura?

LOCUTOR - Pois sim, dois países votaram contra a protecção da diversidade cultural. Adivinhe quais?

ARTISTA - Estados Unidos?

LOCUTOR - Adivinhou, caro artista. Adivinhou. Estados Unidos e Israel. Só esses dois países votaram contra.

ARTISTA - Impressionante…

LOCUTOR - Estados Unidos e Israel pensam como a senhora que quer comprar, que a cultura se compra como os tomates ou os sabonetes.

GRINGO - O mercado é o mercado.

ARTISTA - E a cultura é a cultura, mister.

GRINGO - Tudo se vende, tudo se compra.

ARTISTA - O que acontece é que vocês pensam saber o preço de tudo e o valor de nada, mas há coisas que não têm preço. A cultura de um país é uma delas.

GRINGO - E meus filmes de Hollywood?...Vou perder money!

LOCUTOR - A cultura não é uma mercadoria. Os bens culturais não podem submeter-se às leis da Organização Mundial do Comércio. Segundo a UNESCO, cada Estado é soberano para elaborar políticas culturais que defendam e promovam a sua arte, o seu idioma, o seu cinema, o seu teatro, a sua cultura…

ARTISTA - Frente ao colonialismo cultural… a diversidade cultural!

Adaptado do programa dos Radialistas Apasionados e Apasionadas: “O Preço de Tudo e o Preço de Nada”

Proposta de actividade:

Este texto radiofónico tem como base uma decisão da Unesco que dá a cada país o direito de decidir a sua própria política cultural, podendo incentivar os seus produtos culturais e dificultar a importação dos produtos estrangeiros. Os EUA votaram contra pois temem que essas políticas possam dificultar a exportação dos seus produtos de entretenimento.

1. Qual a razão da dificuldade de comunicação entre o vendedor e a compradora?

2. Neste texto estão presentes duas formas diferentes de entender a cultura e a sua relação com a economia. Identifique-as.

3. Qual das posições presentes se identifica mais com a sua visão da cultura?

4. Parece-lhe que o estado deve intervir de forma activa na produção cultural do país, subsidiando eventos ou investindo num serviço público televisivo em prol da cultura, ou pelo contrário deve ser apenas o público que consome a pagar as despesas?

5. Tomando com referência um qualquer livro que tenha comprado, por exemplo, o livro do conhecido jornalista José Rodrigues dos Santos “O Sétimo Selo” cujo custo de venda ao público é de 22 €, tendo em conta o número de horas despendido na escrita do livro, o número de intervenientes desde a sua escrita até à sua venda, os gastos na promoção, divulgação e distribuição do mesmo pelo país, faça uma pequena reflexão em que refira se o valor do livro é justo.

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