terça-feira, 1 de fevereiro de 2011


Uma Sociedade em Busca de Medida
Publicado na Visão em 7 de Março de 2002

Perante a turbulência das rupturas e das continuidades, os portugueses estão divididos entre a vontade de navegar e a vontade de ancorar. Navegar significa viajar para onde o quotidiano não dói. Ancorar significa ter a certeza da segurança contra as tempestades do risco. Uma e outra vontades apelam para tipos de sociedade em que nós, portugueses, ainda hoje apenas vivemos parcialmente. A vontade de navegar apela à sociedade de consumo, sobretudo dos consumos culturais. A vontade de ancorar apela à sociedade dos direitos. Quanto à vontade de navegar, é evidente a tendência para o crescimento dos consumos culturais e das práticas de lazer dos portugueses, muito associada ao crescimento das classes médias urbanas, ao aumento dos níveis médios de escolarização e à intensificação destas práticas entre as camadas juvenis. É manifesto, ao longo dos últimos trinta anos, o domínio esmagador das práticas culturais realizadas na esfera doméstica e, portanto, a sua prevalência relativamente às que se dirigem para o espaço público. Entre as práticas domésticas, destaca-se claramente a televisão que é, a uma distância muito grande de todas as outras, a actividade cultural que maiores taxas de consumo revela. A televisão apresenta-se, de resto, como o produto cultural de consumo socialmente mais transversal. O peso esmagador que os consumos televisivos ocupam nos consumos culturais dos portugueses enuncia um traço importante da cultura de massas no nosso país. É que embora, do lado da oferta, seja visível a expansão crescente de outras expressões da cultura de massas (cinema, imprensa, livro, música), a verdade é que elas são hoje muito pouco massificadas entre nós. Do lado dos consumos, só a televisão parece constituir-se como um campo de inequívoca afirmação da cultura de massas em Portugal.
O que estes dados sobre os consumos culturais não revelam é a diferenciação social no acesso à cultura. Navegar para longe do quotidiano penoso continua a ser entre nós um privilégio de alguns. O nível de instrução, a condição sócio-profissional, a idade e a residência (urbana ou rural) continuam a ser factores muito diferenciadores no acesso à cultura.
Para além disto, os dados apresentam ainda alguns pormenores que vale a pena reter: a crise do teatro, bem manifesta na queda continuada da frequência; a quebra do cinema até meados da década de noventa, ajudada pela concorrência do vídeo e televisão, e a recuperação a partir de então, muito auxiliada pelo incremento dos consumos juvenis e pelo surgimento das salas multiplex em espaços comerciais, onde a dimensão convivial e lúdica parece ser um factor crucial para impulsionar a apetência pela cultura; a tendência ténue, mas visível, para o aumento dos hábitos de leitura, que não deve ser desvinculada da intensificação da aposta governamental, sobretudo no último governo, na expansão da rede nacional de bibliotecas; a alteração no mercado editorial, com aumento dos títulos editados (e portanto com diversificação da oferta), mas redução das tiragens, atestando as limitações do mercado nacional; os baixos níveis de leitura de jornais, que não deve iludir no entanto a recente expansão do mercado das revistas (temáticas e orientadas para públicos segmentados).
Em mais uma manifestação de como a sociedade portuguesa se furta a ser lida de modo simplista pelos dados quantitativos que dela se extraem, é importante ter em conta que os dados relativos ao número de horas despendido em diversos tipos de actividades (inquérito aos usos do tempo) não ilustram cabalmente a importância que as práticas de lazer com maior componente de sociabilidade e convivialidade desempenham nos hábitos dos portugueses. Na verdade, se é certo que, de modo geral, as chamadas "saídas culturais" têm uma baixa expressão entre os portugueses, quando comparadas com os consumos culturais domésticos, uma excepção deve ser aberta para as práticas de saída de cariz mais convivial, que revelam em geral forte expressão entre nós: saídas em família ou com amigos para passeio (nos parques, praia, centros comerciais, centros das cidades), para restaurantes, visitas entre amigos e familiares. Esta dimensão, se é certo que de um certo ponto de vista pode reflectir um prolongamento do espaço doméstico fora da casa (muitas vezes para outras casas), enuncia também uma propensão para o uso do espaço público que os indicadores relativos às formas culturais mais convencionais parecem negar. E não será esta mais uma dimensão - a dimensão expressiva - da sociedade-providência?
Os portugueses navegam, pois, como podem e à sua maneira. Não navegam à toa e é bem evidente a vontade de ancorar. E a vontade de ancorar significa consumir ou divertir-se sem o espectro do desemprego ou da desvalorização da pensão de reforma, sem o risco de ocorrência de despesas incomportáveis na educação dos filhos, na manutenção da saúde da família, sem o medo de ser vítima de fraudes imobiliárias ou outras, de crimes, acidentes ou ilegalidades sem receber indemnizações devidas. Estas âncoras pressupõem nas sociedades modernas a vigência ampla e eficaz de uma sociedade de direitos. (…)
Boaventura de Sousa Santos
http://www.ces.uc.pt/opiniao/bss/042en.php

Proposta de Actividade:
1. A partir do texto de Boaventura de Sousa Santos, identifique os factores diferenciadores no acesso ao consumo cultural.

2. A partir do texto, identifique qual o produto cultural de consumo de massas e explique as razões de tal facto.

3. Elabore uma apresentação utilizando os programas PowerPoint ou Movie Maker sobre o tema: Consumos culturais e gastos energéticos.
- Neste trabalho deve:
•Identificar os gastos energéticos relacionados com os equipamentos utilizados em consumos culturais (televisão, leitor de cd’s, videogravador, rádio…)
•Comparar situações e opções diversas em termos de consumos culturais e respectivos dispêndios energéticos.
•Relacionar os gastos energéticos com as práticas culturais e os estilos de vida.
•Identificar situações associadas à necessidade de transmissão de informação sobre os consumos energéticos eficientes.
•Explicitar a importância e os modos de transmissão de informação deste género, através dos meios tecnológicos disponíveis.
•Enumerar as boas práticas em termos de consumo energético que podemos ter no nosso dia-a-dia.
Nota importante: O seu trabalho deve ter um cariz interventivo, ou seja, deve convencer/persuadir as outras pessoas a adoptar práticas de eficiência energética.